O Banheiro apertado e o abraço frouxo
O Banheiro apertado e o abraço frouxo
Durante o banho, dentro daquele box espremido, ela pegou-se fazendo uma analogia: aquele banheiro era muito apertado para ela. Era uma luta lavar os seus longos cabelos ali. Lembrava o desconforto que ela sentia dentro daquele relacionamento. Ela se relacionava com um homem de afeto gelado, e escasso em todos os aspectos. Vale salientar, dinheiro ele tinha, mas a sua vibração na escassez não permitia que ele usufruísse. Era uma escassez que reverberava de forma generalizada na vida dele, sobretudo, na ausência de gratidão e reciprocidade.
Para uma mulher, a lavagem dos cabelos costuma ser um ritual: lava, enxagua, hidrata, massageia. Há, inclusive quem cante e dance embaixo do chuveiro nesses momentos. Mas naquele banheiro não era possível. Ela tinha que calcular cada movimento para não bater os cotovelos nas paredes do boxe. O chuveiro demorava esquentar, mas ficava escaldante depois que aquecia. Ela não conseguia ajustar a temperatura, tendo que, muitas vezes, pedir ajuda ao anfitrião que conhecia as “manhas” daquele chuveiro. Ah, eles nunca tomavam banho juntos, porque o banheiro não cabia.
Sempre que ela entrava no banho, durante as três semanas daquele verão, inevitavelmente, brotava um diálogo interno, mais ou menos assim: “caramba, o que eu estou fazendo aqui? Não estou feliz! Eu não preciso disso. Tenho um banheiro bacana numa casa que comporta muito bem a minha essência”. Na realidade, ela focava no desconforto envolvendo o banho, mas o que estava latejando mesmo era o sentimento de não pertencimento naquele relacionamento.
A expectativa era viver uma lua de mel por oito semanas, contudo, ela só conseguiu permanecer naquela cidade por 18 dias, com muito sacrifício, vale salientar. A decisão de estar com aquele homem naqueles dias foi um tiro no pé, ela não encontrou nada do que imaginou. A expectativa era receber cuidados, atenção e muito amor. Contudo, fora tratada como uma esposa num casamento bem antigo. Ele a enfiou na cozinha em tempo integral e, demonstrava má vontade para qualquer favor que ela precisasse. Era hostil e antipático.
Nada de jantares românticos regados a vinhos, nada de abraços acolhedores e demorados, nada de brilho nos olhos. A empolgação dela nadou…nadou e morreu na praia. Falando em praia, ela perambulou em alguns momentos naquelas orlas, sentindo a areia nos pés e contemplando o infinito enquanto sentia um forte nó na garganta, sozinha. Alguns casais passeavam de mãos dadas, se fotografavam, sorriam, paravam para um abraço. Casais jovens, casais maduros, casais grisalhos…ela, sozinha, apesar de comprometida.
Na verdade, eles saíram para almoçar um dia num restaurante. Numa das raras saídas deles. Na hora de pagar a conta, sobrou para ela. Mais tarde, após ela remoer muito aquele desconforto de arcar com o almoço dos dois sozinha, após passar tantos dias cozinhando, ela verbalizou a insatisfação dela. Ele rebateu e invalidou a queixa dela com o seguinte discurso: “você deveria ter pago aquele almoço com satisfação, afinal, eu sou um homem maravilhoso. Eu desocupei uma parte do meu guarda-roupas para você guardar as suas coisas”. Ah, disse também que ele estava gastando muito com supermercado. Ou seja, a contribuição dela na cozinha não estava sendo levada em conta. O cara não sabia ferver uma água.
Conforme os dias foram passando, ela foi entendendo tudo. Era difícil para aquela mulher ter que admitir que caiu, de novo, numa cilada. Mais uma vez, um relacionamento escasso, sem reciprocidade, sem conexão, sem cumplicidade. Outra vez, aquele sentimento de sapato que não encaixa nos pés. Como assim? Ela jurava que estava curada, desperta. Não, minha querida, você ainda não estava pronta para detectar algo que não era bom para você. Tudo bem que você havia evoluído muito, mas ainda havia muitas questões para você cuidar, internamente.
Aquele homem, aparentemente tão inofensivo e insosso, deu um verdadeiro bofetão na cara da dignidade daquela mulher. Ele a atraiu e, tão logo ela tornou-se acessível, ele trouxe à tona um lado frio, avarento e ingrato. Virou uma barra de gelo. Naquela estadia com ele, a única coisa quente que existia era a água do chuveiro, escaldante. Porque o chuveiro era desregulado.
Contudo, o final daquela história foi feliz: ela encheu o peito de coragem e disse em alto e bom tom: “eu vou embora amanhã, eu não estou feliz aqui, Pedro. Ele respondeu: mas o seu retorno está agendado para daqui a um mês. Não entendi. Ela disse: eu não tenho porque aceitar esse tratamento que você tem me oferecido. O Pedro quis culpar o clima chuvoso que estava pela decisão de Ana. Ele não entendia que quando a conexão é verdadeira, a gente se encanta com tudo, tanto faz ter sol, chuva, tempestade, frio ou calor. O Pedro adora terceirizar as suas responsabilidades.
No dia seguinte, enquanto Ana fazia as malas para o seu regresso antecipado, Pedro teve a capacidade de pedir a ela que temperasse o feijão que ela havia cozinhado, e que preparasse os legumes para ele congelar. Afinal, ele não sabia cozinhar e amava o tempero dela. E, pasmem, ela obedeceu, deixou a comida pronta para aquele homem que não foi capaz de pagar um pastel para ela naquela temporada. Ele a promoveu à cozinheira dele, dando um tempo das marmitas que ele comprava na rua.
O cara fugia de um restaurante igual o diabo foge da cruz, para não colocar a mão no bolso. Muito broxante.
Ela, ao desembarcar em sua cidade, fazendo malabarismo com um monte de malas, constatou: me ausentei de mim por alguns dias, mas consegui retornar, mais consciente do que nunca sobre o meu valor e o meu merecimento. Aquele homem não deixou nenhuma saudade para Ana, apenas um profundo aprendizado. A lição: aprenda a amar a sua própria morada, física e emocional, para não ter que aguentar humilhação na casa alheia. Ela aprendeu. Para sempre. (Texto de Ivonete Rosa/@ivoneterosapsi).