No dedo uma aliança de ouro. No olhar, a ausência de brilho

 In Comportamento, Reflexão/Espiritualidade, Relacionamento
Texto de Ivonete Rosa| @ivoneterosapsi

No dedo, uma aliança de ouro. No olhar, a ausência de brilho.

Ela esperava por um luto desolador com a ruptura do casamento, aquele nocaute que leva as vidas divorciadas a ficarem prostradas.  Contudo, nada disso aconteceu. Pelo contrário, logo nas primeiras noites, ela se deu conta de que havia, ali, uma cama espaçosa em que ela podia mover-se sem restrições, e um quarto inteiro para a mulher que viveu, por um longo período, as suas noites pelas metades.

Ela não estava sabendo lidar direito com aquela tranquilidade, então, continuou na expectativa de que, a qualquer momento, o luto, o vazio e a saudade bateriam em sua porta. Será que estou anestesiada? Será que estou vivenciando um mecanismo de fuga da minha própria realidade? Questionou-se, várias vezes, em silêncio.

Conforme os dias passavam, ela estava mais serena, e mais apaixonada pela própria companhia. A realidade veio à tona, a ficha caiu. Ela se deu conta de que, no casamento, ela vivia uma solidão a dois. Sozinha, ela sempre esteve, ela não tinha uma companhia efetiva, tampouco afetiva. Ela dividia a cama com um corpo masculino que deitava ao seu lado, dormia e levantava todas as manhãs, apressadamente, sem ao menos dar-lhe “bom dia”. Não era um corpo qualquer, era um corpo que negava abraços e afagos àquela mulher ávida por carinhos, toques e acolhimento.

Era uma companhia cujos ouvidos nunca estiveram interessados em ouvir os desabafos, as risadas, tampouco o choro dela. O que eles tinham em comum eram apenas os nomes na certidão de casamento, o famoso casamento de “papel passado”. O casamento que ela sempre quis era o de almas. Troca de olhares que se comunicam, abraços que envolvem o corpo e a alma, essa cumplicidade mágica sempre a encantou, mas ela nunca experimentou.

No seu casamento, tudo era muito regrado e cronometrado, nunca existiu uma entrega sincera. Tudo vinha a conta gotas para a mulher que transbordava intensidade. Quando ela deu por si, estava diagnosticada com desnutrição afetiva, um quadro grave, quase irreversível. Uma espécie de falência de múltiplas expectativas sentimentais.

Ela optou por retirar o nome daquele documento que o cartório emitiu perante alguns convidados. O carimbo que ratificava aquela união no civil não tinha poder de unir duas almas. Do que adiantava um status de casada e uma realidade de solidão e frustração? Questionava-se.

Ter o dedo anelar esquerdo ostentando um anel de ouro enquanto a alma vivia chorosa, melancólica e cinzenta não fazia o menor sentido. Essa constatação a encorajou a dar adeus àquelas migalhas.

Por fim, veio a clarificação do porquê da leveza no lugar do luto. O luto foi diluído ao longo do casamento, nas incontáveis vezes em que ela se percebeu sozinha e invisível aos olhos do marido. Simplesmente, ela não tinha mais o que chorar. O divórcio devolveu-lhe a inteireza, a liberdade de sonhar e a certeza de que casou-se por equívoco.

Por fim, oficializou-se a separação dos corpos, uma vez que, no quesito almas, eles nunca trocaram um “oi”.

Ficou claro para ela: ter um marido é diferente de ter um companheiro.  O título de marido e esposa, um tabelião pode conceder a qualquer casal que se dispõe a ir a um cartório com essa finalidade. Já o título de companheiro(a) é concedido pelo amor sem reservas, e  pela vontade de ser e fazer o outro feliz. Ainda não habilitaram um tabelião a fazer casamento de almas.

Ela segue orgulhosa de si e voando cada vez mais alto.

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